"Eu tava pensando esses dias, sabe. A gente, talvez, procure o nosso pai nos caras em quem a gente se relaciona. Tipo querer suprir alguma falha na infância, reviver a inocência de um passado bom, entende? Nada de querer ser tratada como filha, ou sei lá, proteção. Mas aquelas características do homem base, do modelo que a gente teve desde cedo. Se sentir em casa, saca?" A minha amiga havia perdido o pai há poucos meses. Pude acompanhar de perto o que deve ser uma das mais doloridas sensações que a gente venha a experimentar nessa vida: a fragilidade que é estar bem até não se sabe quando. "Meu pai é o cara mais foda que já existiu", ela costuma dizer. Piadista, e revolucionário, parecidíssimo com o exemplar paterno daqui de casa. Nunca me arrisquei a discordar. Apenas dissertei num táxi esses tempos sobre como rola uma paixão toda vez que o rapaz da vez tem características parecidas com nossos genitores e uma repulsa enorme quando não.
Normal que eu me frustre caso o rapaz não beba cerveja, deixe a barba por fazer de vez em quando, leve a vida tão a sério que torne o final de semana um porre. Compreensível que os certinhos por aí me causem sono e urticária. Justificada a minha paixão pelos rebeldes com causa, pelos apaixonados por trabalho, por todos que tenham um quê de malandragem que papai nunca perdeu. Natural que ela busque em cada paixão que pinta pelas esquinas alguém à altura, que entenda de vinhos e queijos, que teça teorias bem elaboradas sobre política, saiba ver na singularidade a honra de não pertencer ao rebanho. O meu primeiro herói brincava de Barbie e quando fingia que ia me dar uma (merecida) surra, me presenteava com um cachorrinho de pelúcia, para o desespero da minha mãe. Imaginem.
Meu pai nunca ligou muito para boas roupas, cores que combinam, marcas e cortes. Usa o que é confortável, se apega a algumas peças de décadas atrás, tá pouco ligando para a opinião alheia sobre seu estilo. Gosta de carros, entende de mecânica, dirige bem como poucos homens me fizeram sentir segura no banco do carona até hoje. Ama fazer feira, detesta ir a shoppings. Sabe muito de rock, respeita a música pop, conhece e discute música comigo como poucos conseguem. Assiste futebol, me fez palmeirense desde criancinha, não aceitará corintianos facilmente neste recinto. É idealista e escrachado, briga e depois de dez minutos esquece, curte horrores uma praia e sabe apreciar o campo também. Teve a sorte de conhecer minha mãe, tão oposta em tantas características e igualmente fascinante. Complementares, não se desgrudaram por 25 anos - algo que respeito, afinal, nem todos os dias são de rosas, mas esses com certeza existem em maior quantidade que os espinhosos.
E então eu tenho buscado nos caras por aí algum que beba mas não seja alcoólatra, se vista como bem entende e não ligue pra dicas de moda ou preços exorbitantes, ame uma economia e pense em dinheiro a longo prazo, trabalhe pra caramba e ame o que faça, mas saiba aproveitar as preciosidades de sexta à noite, sábado e domingo, debata bandas, artistas e músicas, vá a jogos e não ignore meus conhecimentos futebolísticos. Se tiver barba por fazer, que bom. For alto e moreno, melhor ainda. Agora, caso o rapaz possua a bondade e o cuidado, o humor ácido e a firmeza de papai, aí é bingo, aí é loteria ganha e show de encerramento.
Com Ozzy de fundo. Ou Bowie. Talvez Stones. Churrasco na mesa, cerveja gelada, domingo e o vinte e dois caras atrás da bola. Rola qualquer dia desses aí. Sem aviso prévio ou data marcada porque é assim mesmo que meu pai gosta das coisas: repentinas.
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